A Porcelana Famille Rose da Dinastia Qing Presente na Coleção da Coroa Britânica

Desde que me tornei mãe, percebi como a arte tem o poder de conectar gerações. Sempre que visito um museu com minha filha, fico encantada ao ver seus olhinhos brilharem diante de peças que carregam séculos de história. Em uma de nossas viagens a Londres, ao explorar a Royal Collection Trust, me deparei com algo inesperado: porcelanas Famille Rose da dinastia Qing, exibidas entre as preciosidades da monarquia britânica. Foi um momento fascinante, pois, ali, no coração do Reino Unido, estavam peças que outrora pertenceram à corte imperial chinesa.

Como apaixonada por arte asiática, já havia estudado o impacto da porcelana imperial no Ocidente, mas ver esses exemplares tão bem preservados dentro de uma coleção real me fez refletir sobre a incrível trajetória desses objetos. Como essas peças tão refinadas cruzaram continentes e foram parar nos palácios britânicos? O que elas representam para a história do intercâmbio cultural entre China e Europa?

Neste artigo, convido você a explorar a presença destas peças na Coleção da Coroa Britânica, sua jornada desde os ateliês da corte Qing até as residências reais europeias e o papel que essas obras-primas desempenham na preservação da história da arte.

A Presença da Porcelana Chinesa nas Coleções Reais Européias

A porcelana chinesa sempre exerceu um enorme fascínio sobre a nobreza europeia. Desde o século XVII, quando os primeiros exemplares começaram a chegar através das rotas de comércio com o Oriente, reis, rainhas e aristocratas viam essas peças como símbolos de status e sofisticação. Os tons vibrantes, os esmaltes delicados e os temas exóticos pintados à mão tornaram a porcelana chinesa um item altamente desejado para decoração nos palácios reais.

Com a popularização do comércio entre a China e a Europa, especialmente através da Companhia das Índias Orientais, porcelanas produzidas exclusivamente para o mercado ocidental começaram a ser exportadas em larga escala. Entretanto, as peças mais valiosas, como as da tradição Famille Rose, eram reservadas à corte imperial chinesa e raramente saíam do país. Isso fez com que os exemplares autênticos encontrados hoje nas coleções reais europeias fossem considerados verdadeiros tesouros históricos.

Na Grã-Bretanha, esse fascínio se intensificou durante os séculos XVIII e XIX, período em que colecionadores nobres passaram a disputar peças raras trazidas do Oriente. O apreço pela estética chinesa influenciou até mesmo o design de interiores dos palácios reais, com salões inteiros decorados no chamado “Estilo Chinoiserie”, onde porcelanas imperiais eram exibidas como peças centrais. Esse fenômeno ajudou a consolidar a presença da arte chinesa na coleção real britânica, que, ao longo dos séculos, reuniu algumas das porcelanas Fencai/Famille Rose mais sofisticadas da dinastia Qing.

A partir do século XIX, a chegada dessas peças à Europa deixou de ser apenas fruto do comércio e começou a envolver eventos mais controversos durante a Segunda Guerra do Ópio (1856-1860). Muitas porcelanas imperiais foram retiradas do Palácio de Verão (Yuanming Yuan) e da China como um todo, o que resultou na dispersão de peças preciosas entre colecionadores e instituições ocidentais. Algumas dessas peças acabaram incorporadas à Coleção da Coroa Britânica, onde permanecem até hoje como parte do patrimônio histórico da monarquia.

A presença dessas porcelanas dentro dos palácios reais britânicos não apenas destaca sua importância artística, mas também reflete a complexidade das relações entre o Oriente e o Ocidente. Atualmente, essas peças continuam a ser estudadas e exibidas, permitindo que pesquisadores e entusiastas da arte imperial chinesa compreendam melhor a trajetória desses objetos e sua relevância no cenário global.

Como Peças de Porcelana Famille Rose Chegaram à Coleção da Coroa Britânica

A presença destas peças no Reino Unido não foi fruto de um único evento, mas sim de um processo que envolveu comércio, diplomacia, expedições militares e aquisições privadas ao longo dos séculos. Eram originalmente destinadas, exclusivamente, à corte do império, chegaram à Europa através de diferentes caminhos, tornando-se parte de um dos acervos mais prestigiados do mundo.

1. Comércio e Diplomacia: Presentes de Estado e o Papel da Companhia das Índias Orientais

Desde o século XVIII, a porcelana chinesa era um dos itens mais cobiçados no comércio entre Oriente e Ocidente. A Companhia das Índias Orientais, principal responsável pelo fluxo de mercadorias entre a China e a Europa, desempenhou um papel essencial na introdução desses artefatos na nobreza britânica.

Embora muitas porcelanas exportadas para a Europa fossem produzidas especificamente para esse mercado, as peças Fencai eram um luxo reservado à realeza chinesa. No entanto, algumas dessas obras-primas chegaram às mãos da realeza britânica através de presentes diplomáticos. Durante encontros formais entre emissários chineses e monarcas europeus, era comum a troca de objetos valiosos como gesto de boa vontade. Algumas dessas porcelanas, ricamente decoradas e com selos imperiais, foram oferecidas a membros da aristocracia britânica como símbolos de respeito e aliança.

2. O Impacto da Segunda Guerra do Ópio (1856-1860)

Um dos episódios mais significativos na dispersão de porcelanas imperiais chinesas ocorreu durante a Segunda Guerra do Ópio, quando tropas britânicas e francesas retiraram objetos, incluindo móveis, joias e porcelanas, do Palácio de Verão (Yuanming Yuan), em Pequim, em 1860.

Muitas dessas peças foram posteriormente leiloadas ou adquiridas por colecionadores de diversos países, eventualmente sendo incorporadas a museus e coleções particulares, incluindo a Coleção da Coroa Britânica. Algumas porcelanas Famille Rose da dinastia Qing que hoje fazem parte do acervo real possuem registros que indicam essa origem, gerando debates sobre repatriação e restituição de artefatos culturais.

3. Leilões e Aquisições Privadas: Como a Realeza Britânica Expandiu sua Coleção

Ao longo do século XX, a coleção de porcelanas imperiais chinesas da realeza britânica continuou a crescer por meio de compras em leilões e doações de colecionadores privados. Casas de leilão como Christie’s e Sotheby’s frequentemente oferecem peças raras provenientes de antigos colecionadores europeus que, por gerações, mantiveram em suas propriedades.

Membros da família real britânica, conhecidos por seu apreço por arte e antiguidades, adquiriram algumas dessas peças para preservar sua relevância histórica. Além disso, doações de aristocratas britânicos que possuíam coleções valiosas também ajudaram a enriquecer o acervo, garantindo que essas porcelanas fossem mantidas sob proteção da monarquia.

O Legado das Peças de Porcelana Famille Rose na Coleção Real

A trajetória dessas porcelanas revela muito sobre os intercâmbios culturais e as tensões geopolíticas entre a China e a Europa nos séculos passados. Atualmente, essas peças são preservadas e exibidas em exposições da Royal Collection Trust, onde continuam despertando o fascínio de estudiosos e entusiastas da arte asiática.

O caminho percorrido por essas porcelanas, desde os ateliês imperiais até os palácios britânicos, evidencia não apenas sua importância artística, mas também os complexos capítulos da história global que marcaram sua jornada.

Principais Peças de Famille Rose na Coleção Real

Vasos Imperiais Esmaltados: A Sofisticação da Corte Qing

Entre os destaques da coleção real estão vasos monumentais esmaltados, que exemplificam o requinte técnico e artístico das porcelanas Fencai. Essas peças apresentam pinturas detalhadas com cenas mitológicas, figuras taoístas e símbolos auspiciosos, como dragões dourados e flores de lótus.

Um dos mais notáveis é um par de vasos do período Qianlong (1736-1795), decorados com paisagens montanhosas e nuvens estilizadas, representando a busca pela harmonia e longevidade. A presença de detalhes dourados e a qualidade excepcional da pintura indicam que essas peças foram produzidas exclusivamente para a corte Qing, tornando-as raríssimas e extremamente valorizadas.

Tigelas e Jarros Imperiais com Selos da Dinastia Qing

Outro conjunto significativo inclui tigelas e jarros imperiais, muitas das quais possuem os selos da dinastia Qing na base, confirmando sua autenticidade e origem na Cidade Proibida. Essas peças, originalmente utilizadas em cerimônias imperiais ou como oferendas religiosas, são decoradas com padrões delicados, como ramos de peônia, fênix douradas e cenas do cotidiano da nobreza chinesa.

Uma das tigelas mais impressionantes da coleção apresenta peixes dourados nadando entre flores de lótus em um fundo rosa-claro, um motivo tradicional que simboliza abundância e prosperidade. A precisão dos detalhes e a suavidade das cores refletem a maestria dos artesãos imperiais.

Painéis de Porcelana: Arte Integrada à Arquitetura Real

Além de peças utilitárias e decorativas, a coleção real inclui painéis de porcelana que originalmente faziam parte da arquitetura dos palácios imperiais chineses. Essas placas esmaltadas, muitas vezes retiradas de templos e salões do Palácio de Verão durante a Segunda Guerra do Ópio, foram adquiridas por colecionadores europeus e, posteriormente, incorporadas à coleção britânica.

Os painéis são notáveis por suas cenas pintadas em esmalte rosa, azul e dourado, que retratam a vida nos palácios, incluindo festivais, dançarinas imperiais e paisagens idílicas. Essas peças demonstram não apenas a habilidade técnica dos ateliês imperiais, mas também a importância da porcelana como um meio de expressão artística e narrativa histórica na cultura chinesa.

Onde Essas Peças Podem Ser Vistas Hoje

Atualmente, estão distribuídas entre diferentes palácios e museus ligados à monarquia britânica. Embora algumas dessas peças fiquem em exibições privadas, muitas são periodicamente expostas ao público em exposições especiais, permitindo que estudiosos e entusiastas da arte chinesa apreciem sua beleza e história.

Royal Collection Trust: O Principal Guardião da Porcelana Imperial

E responsável por preservar e exibir a maioria das peças que pertencem à Coroa Britânica. Algumas das mais importantes estão em exposição permanente ou são incluídas em mostras temporárias em locais como:

Palácio de Buckingham – onde porcelanas decoram algumas das salas de recepção oficiais.

Castelo de Windsor – lar de uma parte significativa da coleção de porcelanas chinesas, incluindo vasos e tigelas da dinastia Qing.

Palácio de Kensington – frequentemente exibe peças como parte de exposições sobre o intercâmbio cultural entre Oriente e Ocidente.

Exibições Temporárias e Empréstimos a Museus

Além dos acervos permanentes, algumas peças da coleção real são emprestadas para museus internacionais. O Victoria & Albert Museum, em Londres, é um dos principais destinos dessas porcelanas, especialmente quando organiza exposições sobre a influência da arte asiática na Europa. O British Museum também já recebeu peças da coleção real para mostras que exploram a história das relações entre a China e o Reino Unido.

Acesso Digital: A Royal Collection Online

Para quem deseja conhecer essas peças sem precisar viajar, a Royal Collection Trust disponibiliza parte de seu acervo online. Fotografias de alta resolução e descrições detalhadas permitem que pesquisadores e apreciadores explorem cada detalhe das porcelanas Fencai e entendam melhor seu contexto histórico. Esse acesso digital tem sido fundamental para o estudo e preservação dessas obras de arte, permitindo que um público global descubra o legado da arte imperial chinesa.


Esta jornada reflete séculos de intercâmbios culturais, comércio, diplomacia e, em alguns casos, eventos controversos da história. Essas peças, criadas para a elite imperial chinesa, hoje encontram-se preservadas entre os maiores tesouros da monarquia britânica, servindo como testemunhos de um passado onde arte e poder estavam intimamente ligados.

Se você, assim como eu, é apaixonado pela arte asiática e sua fascinante história, continue explorando o blog! Vou continuar levando até você o melhor da porcelana imperial e suas conexões com o mundo.

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